A Depressão na Visão da Psicanálise Winnicottiana
Dra Beatriz Farias Alves Yamada – PhD, MSN
Psicoterapeuta, Analista Winnicottiana (em formação no Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana) e Estomaterapeuta
CRP 06/127735
Este é um texto com características científicas, destinado a profissionais e acadêmicos de Psicologia ou pessoas com interesse no tema. Sua linguagem segue os pressupostos da Teoria do Amadurecimento Emocional desenvolvida pelo psicanalista e pediatra inglês Donald Wood Winnicott, um gênio que desenvolveu um outro olhar para a Psicanálise.
Será que há um lado bom na depressão?
Winnicott responde claramente que:
A depressão, por mais intolerável que seja, é sinômino de saúde porque revela que a unidade da personalidade foi alcançada. (D W Winnicott)
A depressão é uma doença crescente no mundo e, a depender do tipo, se não tratada corretamente com medicamentos e análise/psicoterapia, é grande o risco de danos à personalidade (PD), com repercussoões em inúmeras esferas da vida, especialmente relacionais. A análise de pessoas com depressão torna-se uma constante nos consultórios dos analistas e a teoria winnicotiana ganha espaço nesse contexto já muito medicalizado, porque ele lança um olhar diferente de outras teorias. Antes de falar sobre a visão winnicottiana apresento a concepção da medicina e dados da epidemiologia.
Segundo o DSM-5, a depressão é considerada um transtorno depressivo (TD) com variações nas manifestações, sendo estas do tipo: maior; bipolar I e II; devido a outra condição médica; induzido por substâncias ou medicamentos ou o tipo persistente (distimia). A mais grave, o transtorno depressivo maior (TDM), é caracterizado ‘por episódios de humor deprimido ou interesse ou prazer diminuido que duram, no mínimo, duas semanas e que são acompanhados por sintomas associados característicos (alterações de sono, apetite ou nível de atividade; fadiga; dificuldade em se concentrar; sentimentos de desvalia ou culpa excessiva; ideação ou comportamento suicida)’, somente podendo ser diagnosticado como diferencial dos demais transtornos citados1. O diagnóstico se faz clinicamente, com a possibilidade de adotar instrumentos de auto-relato para auxílio, como o Beck Depression Inventory (BDI) que é validado e reconhecido pelo Conselho Federal de Psicologia. O BDI2 tem 21 afirmações de sintomas depressivos e, a depender da intensidade, categoriza-se de mínima à grave depressão. Os sintomas relacionam-se a: tristeza, pessimismo, sentimento de fracasso, culpa, punição, ideias suicidas, entre outros.
Os TD ocorrem em qualquer fase da vida. Em dados epidemológicos brasileiros constatou-se: 5,7% em adolescentes gaúchos3; 39,4% em mulheres capixabas no pós-parto4; 16,2% na população geral de Florianópolis (2,2% em mulheres; 22,7% nos idosos; 30,7% viúvos ou separados; 18,1% nos mais pobres e 29,1% nos pacientes com mais doenças crônicas. Dos idosos, 76,6% não foram questinados na consulta médica sobre sintomas)5.
Sobre a visão winnicottiana, será apresentado um conteúdo extraído da obra publicado por Maraes (2014)6, psicológa e psicanalista winnicotiana docente do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana.
Winnicott, diferente de Freud que considerava a depressão como uma das patologias narcísicas, pontua que a origem desta é associada ao amadurecimento (no estágio da conquista do concernimento), sendo tarefa fundamental para o bebê, pois é a fase onde a unidade psico-soma precisará lidar com as tensões instintuais, com sentimentos e afetos relativos às fantasias conscientes e inconscientes decorrentes do relacionamento dual.
Uma grande diferença da visão de Winnicott das demais é que este entende que a depressão, por mais intolerável que seja, é sinômino de saúde porque revela que a unidade da PD foi alcançada. Ele defende que, mesmo quando há quadros psiquiátricos e distúrbios afetivos severos, a intregração tem sua assinatura no humor depressivo e nas defesas antidepressivas que se instauram, pois isso demonstra haver indício de certo grau de amadurecimento e força do ego (integração). O mal estar e desconforto decorrem da dificuldade de aceitar os sentimentos de seu mundo interno. Embora os reconheça, não os tolera.
Ressalte-se o quanto as pessoas ao redor têm dificuldade de conviver com um depressivo, especialmente em casos mais graves, o que certamente causa mais dificuldades para quem já está em sofrimento. Mas para Winnicott, por mais terrível que seja, é reveladora da integração pessoal. Porém, ele adverte que, mesmo sendo saúde, a depressão pertence à psicopatologia, pois tem caráter de doença devido aos processos inconscientes, à culpa e ao elemento destrutivo inerente ao amor; podendo ser severa, incapacitante e até durar a vida inteira.
O bebê (bem como o paciente em análise), ao concernir-se, se recolhe sempre que precisa de tempo para reordenar seu mundo, e isso se assemelha à depressão. Esse estado se repete por toda a vida, inúmeras vezes nas experiências humanas.
A depressão abarca desde manifestações do estar vivo até quadros ‘quase psicóticos’, sendo denominada como reativa (simples ou patológica) ou psicótica. Assim, para a condução clínica adequada, diante de estado depressivo, é fundamental a difrenciação por meio do conhecimento da história inicial do paciente e de sua maturidade pessoal, a fim de analisar se a integração obtida possibilita suportar a carga da doença, “o peso da responsabilidade e da culpa sem precisar o tempo todo usar defesas antidepressivas ou mesmo a própria depressão para manter os instintos ameaçadores sobe controle”. A esperança em si e no outro é a condição para a recuperação da depressão reativa (DR), sendo essa, portanto, uma dica clínica a ser obervada no paciente.
A DR é entendida como “estados depressivos experenciados pelas pessoas que alcançaram o concernimento, a capacidade para sentir tristeza e para reagir à perda de maneira organizada”. Essa pessoa, ao passar pelo concernimento (no estágio da dependência relativa), recebeu adequada provisão de cuidados maternos até o alcance do EU SOU, quando é capaz de admitir e aceitar a destrutividade como pessoal. A DR simples é passageira, parte do ciclo benígno, é “conquista do amadurecimento, observada no retraimento e introspecção em relação ao que é externo, e que ocorre diante da culpa, da preocupação ou arrependimento a respeito do resultado das experiências institivas relacionadas ao amor e à destrutividade”. Já a DR patológica surge como reação à perda, e é comparada ao luto. Não decorre da perda em si, mas sim da incapacidade de lidar com esta devido a dificuldade de assumir como pessoais os sentimentos e afetos, bons ou maus, experienciados na ocorrência da perda. Winnicott assemelha esse tipo a neurose, na qual pode-se realizar interpretação. O analista precisa reconhecer que o paciente é capaz de lidar com a culpa, ambivalência e impulsos agressivos sem ruptura da PD, verificando se invoca defesas primárias ou secundárias ao lidar com a perda.
Com relação a depressão psicótica (DP), esta é um distúrbio de afetividade, onde o concernimento/círculo benigno não foi estabelecido ou, se foi, quebrou-se. Ocorre uma desesperança pela incapacidade de buscar o objeto, é uma depressão com impurezas, onde o humor está permanentemente alterado, pois a agressão, a destrutividade e ambivalência nos relacionamentos geram dúvidas e confusões que colocam em risco a integridade pessoal. Também reprimem por incapacidade de suportar a culpa pelos maus sentimentos do mundo pessoal, que o fazem atuar (com hipocondria, paralização como ex.). Os sujeitos com DP têm foco em si mesmos, sendo desconfiados e reservados, com dificuldades de se relacionarem e trabalhar, e precisam de assistência multiprofissional. Há uso de defesas primitivas, por não tolerarem destrutividade, e interrupção da tendência inata para integração, revelando imaturidade pessoal, que se assemelha a esquizofrenia.
Essa é uma concepção distinta das demais teorias, pois embora Winnicott considere ser uma psicopatologia, traz, à luz de sua teoria, algo muito importante para a saúde emocional que a integração da personalidade. Aos interessados em ampliar a compreensão do tema, sugerimos consultar a referência 6.
Referências
- First MB. Manual de diagnóstico diferencial do DSM-5. Artmed, 2015.
- Cunha JA. Manual da versão em português das escalas Beck. Casa do Psicólogo, 2001.
- Reppold CT, Hutz SC. Prevalência de indicadores de depressão entre adolescentes no Rio Grande do Sul. Avaliação Psicológica, 2003, (2)2.
- RUSCHI et al. Depressão pós-parto em amostra brasileira. Rev Psiquiatr RS. 2007;29(3).
- Boing et al. Depressão e doenças crônicas. Rev Saúde Pública 2012;46(4)
- Moraes AARE. Depressão na obra de Winnicott. DWW editorial (2014).